O MITO, O RITO E SUAS INTERPRETAÇÕES
Irmão Ricardo Mário Gonçalves
Em primeiro lugar, algumas noções a respeito do que é o mito e como trabalhar com ele e como interpretá-lo. Nós estamos acostumados a usar na nossa linguagem cotidiana mito como sinônimo de uma narrativa mentirosa, fantasiosa, alguma coisa assim sem fundamento.
Entretanto, para sociedades tradicionais o mito, muito pelo contrário, era percebido como uma narrativa exemplar, uma narrativa sagrada que esclarecia o homem sobre o seu lugar no mundo, e lhe fornecia ideais e modelos de comportamento.
A nossa Ordem, a Maçonaria, ela é herdeira dessas sociedades tradicionais do passado e como essas sociedades ela tem um mito fundador, uma história exemplar que ajuda o maçom a se situar no mundo, a se situar dentro da Ordem e a compreender a sua missão e os objetivos da Maçonaria. Este mito exemplar é aquilo que o, na linguagem maçônica, se designa como Lenda de Hiram, e eu prefiro dizer Mito de Hiram, exatamente porque se trata de uma história exemplar que ajuda o maçom a se situar na Ordem e no mundo.
Os historiadores das religiões ao estudar os mitos, eles constatam que muitas vezes os mitos, eles se desdobram e como que se repetem através dos rituais, é como se um mito fosse um script de uma peça de teatro e o ritual uma representação dessa peça em que os atores repetem as palavras e os gestos que estão presentes naquele script.
Então é exatamente isso que acontece no Grau de Mestre. Nós temos um mito, o Mito do Hiram, e nós temos o Rito de Exaltação, que é uma dramatização, uma repetição teatral, digamos assim, daquilo que é narrado no Mito de Hiram. Eu vou basear a minha exposição num antropólogo, o mais importante, a meu ver, dos antropólogos do Século XX, Claude Lévi-Strauss que foi um dos fundadores da USP. Esteve em 1935 em São Paulo, com uma missão francesa e ajudou a montar a Universidade de São Paulo.
Ele é um dos grandes especialistas de mitos e é nele que eu vou basear a minha exposição. O Lévi-Strauss ele rapara, estudando mitos, ele repara que todo mito não é uma narrativa só. Todo mito se desdobra numa porção de variantes, com pequenas discrepâncias, pequenas variações, de uma variante para outra, e essas variações formam um conjunto, e nesse conjunto de variantes é praticamente impossível você apontar qual é a narrativa autêntica, ou a narrativa pura, ou a narrativa mais antiga.
Você não consegue chegar a isso. E quando você quiser estudar o mito, o primeiro trabalho que você tem a fazer é recolher todas as versões possíveis e imagináveis, que estiverem ao teu alcance, e fazer um feixe, um bloco dessas versões e procurar estudar esse conjunto. E nota o Lévi-Strauss que o mito é uma estrutura viva que está sempre se transformando, está sempre produzindo novas variantes, novas combinações, novas interpretações, novos significados.
E às vezes quando a gente procura dar uma interpretação filosófica ou científica do mito, na realidade o que a gente está fazendo é criar uma nova versão do mito, uma nova narrativa mitológica.
Exemplo, o que Fleud fez com o Mito de Édipo, não é uma teoria científica, mas sim uma nova versão, uma nova maneira dele de contar o Mito de Édipo. Outro ponto importante, como é que funciona o pensamento mítico. Segundo o Lévi-Strauss, o pensamento mítico funciona através de um processo que ele chama de bricolage intelectual.
O que é bricolage? Bricolage é o trabalho do engenheiro de fim de semana, do engenheiro amador que gosta de ir para o fundo de quintal, brincar de mecânico, pega fragmentos de máquinas velhas e objetos diferentes, combina esses fragmentos entre si, e de maneira criatura e original ele vai criando novas máquinas, novos objetos, novas estruturas.
É assim que o pensamento mítico opera, ele se apodera de fragmentos de pedaços de narrativas mas antigas, combina esses fragmentos entre si e vai emprestando novos significados. Então nós vamos ver como é que esse processo de bricolage opera no Mito de Hiram.
O mito maçônico de Hiram é uma construção intelectual da época da formação da maçonaria moderna, ou seja, ele surge nas primeiras décadas do Século XVIII, e é resultado de um processo de bricolage. Eu vou narrar muitíssimo rapidamente, o Mito de Hiram, que diz mais ou menos o seguinte : O rei Salomão em tentando realizar o projeto de seu pai, o rei Davi, de construir um Templo ao Senhor, firma um tratado com Hiram, rei da cidade finícia de Tiro, que lhe manda materiais de construção, uma equipe de trabalhadores, que é chefiada por um hábil arquiteto chamado Hiram Abif.
Os trabalhos se desenvolvem e já na fase final, três maus companheiros, da equipe dos trabalhadores, que não haviam sido iniciados no Grau de Mestre querem arrancar do arquiteto a palavra sagrada, a palavra secreta dos mestres pela força e acabam assassinando o mestre porque ele não lhes transmite essa palavra. Eles matam o mestre e tentam ocultar o corpo, sepultando de maneira precária, marcando o local com um ramo de acácia.
O rei Salomão ordena uma investigação, os criminosos são presos e executados, e o corpo do arquiteto recebe uma sepultura digna, com todas as honras. Agora o Ritual de Exaltação sugere, aponta para a ressurreição de Hiram Abif numa cena dramática em que o neófito está deitado no esquife fazendo o papel de Hiram Abif é levantado pelo chamado cinco pontos de perfeição, que eu vou falar mais adiante.
Pois bem analisando essa história, do Mito de Hiram, segundo o método Lévi-Strauss nós verificamos que essa construção maçônica do Século XVIII ela resulta de um processo de bricolage intelectual e nós podemos isolar os componentes dessa bricolage.
O componente, talvez, mais importante é o texto Bíblico, ou seja, as narrativas Bíblicas sobre a construção do Templo de Salomão que existem nos livros de Reis e Crônicas. Note-se que na narrativa Bíblica não há nenhuma menção à morte de Hiram, isso é uma coisa que vem de fora, é um outro elemento que entrou nessa bricolage e além disso na Bíblia, o Hiram é apresentado com o um artesão hábil em metalurgia e não como arquiteto. Um outro componente dessa bricolage é um mito egípcio, um mito da morte e ressurreição de Osíris, tal como era narrada em autores clássicos greco-romanos que estavam acessíveis aos intelectuais do Século XVIII, os principais são Heródoto, Diodoro da Sicília, e Plutarco, que em suas obras fazem várias menções ao mito egípcio de Osiris.
Osiris é esposo e irmão de Ísis, criador da agricultura, da civilização, Osirs é morto por seu irmão Seth e ressuscitado pela magia de Isis, e torna-se senhor do mundo dos mortos. Em terceiro lugar, um elemento dessa bricolage que não está explícito, mas está, digamos assim, implícito, está por de trás da narrativa, é a narrativa da Paixão de Jesus, nos Evangelhos. Não aceita nenhuma menção específica, clara, mas subentende que a narrativa da Paixão está por de trás do Mito de Hiram e eu dou só uma pista, no Mito de Hiram, o arquiteto é morto por três maus companheiros, nas narrativas da Paixão, Jesus é vítima basicamente de três grandes malvados, que são Judas, Caifás e Pilatos. Agora vamos examinar mais de perto a narrativa Bíblica, a narrativa da construção do Templo de Salomão.
A ciência Bíblica também nos mostra que a narrativa da construção do Templo não é uma narrativa original, ela também é o resultado de um processo de bricolage. Para começar, o que que nós sabemos do Templo de Salomão a partir da arqueologia? A resposta é nada, não foi descoberto nenhum vestígio do Templo de Salomão, inclusive porque há uma porção de construções modernas em cima, consideradas sagradas e seria muito complicado fazer uma escavação arqueológica, em regra, naquele local, onde a tradição diz que existiu o Templo. Mas a arqueologia Bíblica revela que em vários lugares da terra santa foram encontrados vestígios de templos com a mesma estrutura que é descrita na Bíblia como sendo a estrutura do Templo de Salomão, então a estrutura do Templo não é original, aquilo foi inspirada em modelos em templos antigos que tinham aquela estrutura. Em terceiro lugar, na mesma área cultural da Síria e Palestina, nós temos textos literários onde aparecem narrativas que apresentam a mesma estrutura da narrativa da construção do Templo, com algumas pequenas modificações, com algumas alterações, e essas narrativas são mais antigas que o texto Bíblico. Por exemplo, foi descoberta, mais ou menos a parte de 1929 uma biblioteca de uma cidade que floresceu no litoral da Síria chamada Ugarit, e ali, nessa biblioteca, de Ugarit, foi encontrada toda uma série de narrativas míticas próprias dos povos fenícios e cananeus e alguns estudiosos chamam essa literatura de Ugarit, de uma anti-Bíblia, porque na Bíblia os cananeus são estigmatizados com um povo pagão, um povo debochado, um povo pecador que deve ser extinto, ser aniquilado, etc., e as tradições dos cananeus precisam ser também destruídas e extintas.
Na literatura de Ugarit são os próprios cananeus que tomam a palavra e contam os seus mitos, as suas lendas, as suas tradições, e é interessante notar, que muita coisa que na Bíblia é tida como negativa, é reprovada, na literatura de Ugarit é tida como positiva, como altamente recomendável. Daí então a gente chama a literatura de Ugarit de anti-Bíblia.
Pois bem na literatura de Ugarit nós encontramos uma história de uma construção de um Templo, Palácio, uma historia literariamente muito mais antiga do que a história da construção do Templo de Salomão. Ali se conta como os deuses se reuniram para construir um templo, um palácio para o deus Baal, que é o deus da fertilidade, das chuvas, das tempestades e dos trovões, e para construir esse palácio, templo para Baal, eles chamam um arquiteto estrangeiro, então aparece aqui o tema do arquiteto que vem de longe e esse arquiteto do templo de Ugarit vem de onde? Vem da cidade de Mênfis, no Egito.
E agora então dando uma salto de Ugarit para a tradição egípcia, o que que nós temos em Mênfis? Mênfis é o centro de um culto, de um deus chamado Ptah, que é a versão egípcia do criador do universo, na linguagem maçônica seria o Grande Arquiteto do Universo, vestido de deus egípcio, ou seja, Ptah é um deus artesão e fabrica o mundo, fabrica o universo usando como ferramentas a sua palavra e o seu pensamento. E é de Mênfis, exatamente a cidade de Ptah, que vem um arquiteto construir um palácio para Baal.
Agora um detalhe interessante. Na lenda maçônica quem morre e ressuscita é o arquiteto, na lenda de Ugarit também tem um elemento que morre e ressuscita, mas é o deus dono do templo, é o próprio Baal, que morre e ressuscita. Nós temos aqui uma variação interessante, então a Bíblia nos fala então de artesãos, de metalúrgicos que vem da fenícia, o texto cananeu nos fala de um arquiteto que vem do Egito, e há um texto curioso de um teólogo cristão, dos primeiros séculos da era cristã, Clemente de Alexandria, um texto chamado Correspondência de Salomão com os reis do Egito e de Tiro, e nesse texto Clemente de Alexandria elabora uma narrativa que mistura os dois temas, a conexão fenícia e a conexão egípcia.
Assim, nesse texto, ele diz que tanto o faraó egípcio chamado Onaphres quanto o rei de Tiro mandaram a Salomão uma equipe de trabalhadores e sendo que o soberano fenício mandou também um arquiteto, só que o arquiteto não se chama Hiram, mas sim Hyperon, um nome grego.
Então um texto que reúne duas versões : uma versão fenícia de origem Bíblica e uma versão egípcia de origem ugarítica. Agora, o mito maçônico de Hiram, ele também não é uma narrativa única, ele tem uma porção de variantes e prolongamentos, em alguns dos altos graus do Rito Escocês Antigo e Aceito, nós temos algumas dessas variantes e prolongamentos que por razões óbvias não podemos expor aqui. Mas nós temos, por outro lado, três textos literários que são do domínio público, é literatura ao alcance do profano em que apresentam variações do mito de Hiram.
Em primeiro lugar temos um livro chamado Viagem ao Oriente, que é uma narrativa romanceada, de uma viagem ao Oriente próximo, de autoria de um poeta francês Gérard de Nerval do, Século XIX, que parece que foi filho de maçom. E num dos capítulos ele conta a história da rainha de Sabá e dos seus amores com o arquiteto Hiram. Então ali aparece uma versão sui generis do Mito de Hiram, em que se dá ênfase então numa história de amor, do arquiteto com a Rainha de Sabá, que vem visitar o rei Salomão, em busca de sabedoria e isto não aparece no rito maçônico, a não ser de uma maneira muitíssimo discreta, é sugerido em certo ritual maçônico, e nesse mito narrado pelo Gérard de Nerval aparece um outro personagem, também citado na lenda maçônica, que é o Tubal-Caim, o mestre de metalurgia. Agora tanto Hiram Abif quanto Tubal-Caim, no texto de Nerval, aparecem como mártires da ciência e da tecnologia que foram, vítimas da ignorância de sacerdotes fanáticos e de um rei vaidoso e fraco, manipulado pelos sacerdotes.
Então eles são apresentados como mártires do progresso tecno-científico, então é uma leitura do mito de Hiram bem ao gosto da civilização do Século XIX, a civilização do positivismo, da crença na ciência e na técnica, e civilização essa que reprovava superstições do passado, tidas como obstáculos ao progresso, então atrás dessa narrativa do Gérard de Nerval, sobre o mito de Hiram, subentende-se uma outra narrativa mitológica, agora não mais Bíblica, mas de origem grega, o Mito de Prometeu. Prometeu é o titã gigante que desafiou aos deuses, arrancou dos deuses os segredos do fogo e deu ao homem, beneficiou a humanidade. Então se no rito maçônico do Século XVIII há uma certa identificação, entre Hiram e a Paixão de Cristo, aqui nessa versão do século XIX, há uma identificação de que Hiram com Prometeu que é a figura mitológica típica da civilização industrial moderna, é o herói, digamos assim, que melhor simboliza a civilização industrial.
Um outro texto literário é um romance, este já dos nossos tempos, dos nossos dias, Mestre Hiram e o Rei Salomão, de um autor francês chamado Christian Jacq que é egiptólogo e que escreve uma série de romances sobre o Egito antigo e combinando esses romances com temas iniciáticos maçônicos. Aqui também, o Salomão é pintado como um monarca orgulhoso e supersticioso pressionado por um clero fanático e obscurantista e temos também o idílio entre o Salomão e a Rainha de Sabá.
Mas o arquiteto aqui é egípcio, é um iniciado nos mistérios egípcios que o faraó do Egito manda com uma missão especial a Israel para ajudar a Salomão a construir o Templo e manter o reino de Israel na órbita do poder egípcio. Então neste texto literário de Chrstian Jacq aparece mais uma vez a conexão egípcia que nós vimos aparecer há pouco no texto de Ugarit. E finalmente nós temos um texto literário brasileiro, o Diário de um Construtor do Templo, de autoria do Ir.´. José Rodrix, que é conhecido músico, jornalista, escritor maçônico, e nesse romance ele não é muito original, ele se mantém bastante fiel tanto a tradição Bíblica quanto à lenda maçônica, só que esse romance tem como protagonista um operário, um obreiro do Templo que assiste todo o drama do Hiram e do seu assassinato, pelos maus companheiros e esse romance também coloca no meio da narrativa, os vários prolongamentos e variantes do mito que a gente tem nos graus escoceses.
Até então nenhuma novidade, a novidade vem no fim do livro, no fim do livro, nas últimas páginas ele introduz um novo elemento nessa bricolage intelectual que é o Brasil, existe uma tradição mitológica entre aspas que alguns acreditam ser verdadeira, de que o Brasil foi descoberto por navegantes fenícios exatamente na época do Rei Salomão, então o Zé Rodrix introduz esse elemento na narrativa e o herói do livro, no fim, se prepara para viajar para o Brasil, que é pintado como uma terra paradisíaca, uma terra tropical, cheia de papagaios, e fadado a ser o país do futuro. Então olhe como o mito está vivo e ele é sujeito a uma série de reelaborações, de reinterpretações, prolongamentos, isto é a bricolage então a maçonaria brasileira produziu uma releitura brasileira do mito de Hiram.
Agora o Mito de Hiram ele pode ser objeto de várias interpretações, alguns adotam uma interpretação naturalista, ou seja o personagem de Hiram que morre e ressuscita e simbolizaria ou sol que desaparece no inverso para voltar na primavera com mais força ou a vegetação que morre no inverno e ressurge na primavera, e etc. Agora há interpretações antropológicas muito mais interessantes, por exemplo, um outro antropólogo francês René Girard lançou uma tese interessante, de que todos os deuses e heróis mitológicos, nada mais são do que reminiscências de personagens que foram mortos em situações dramáticas, violentas responsabilizados por crises sociais de que eles não tinham absolutamente culpa nenhuma, eram aquilo que em linguagem normal se diria o bode expiatório, então a sociedade apresenta uma situação de mal estar devido a uma crise, ninguém sabe porque que todo mundo está sofrendo, por todo mundo está incomodado, nada dá certo, aí começa a prestar atenção num sujeito meio esquisito, que tem um comportamento meio diferente dos demais, é ele, é ele, é ele o culpado, não é, aí a sociedade inteira se levanta e massacra ou lincha esse culpado, e como a sociedade se uniu para linchar aquele sujeito desapareceram os conflitos, as brigas, os maus estares e a comunidade recupera pelo menos temporariamente a sua ordem, então esse personagem com o passar do tempo é divinizado, transformado num deus, ou num herói, e o Hiram Abif pode ser visto assim, ou seja a morte do Hiram pode ser vista como resultado de uma crise nos trabalhos de construção do Templo, os trabalhadores não se entendem, os companheiros querem passar à frente dos mestres, tomar a palavra sagrada dos mestres e assassinam o mestre e vira assim uma espécie de bode expiatório, mas depois da morte do mestre, finalmente consegue-se construir o Templo.
Agora, ainda antropologicamente, em várias sociedades existe um ritual sangrento, um ritual cruel, que se chama sacrifício de fundação que é o seguinte em certos povos, quando se construíam um palácio, um Templo ou um Castelo, uma fortificação para garantir que aquela construção fosse levada a bom termo, se sacrificava uma pessoa, se enterrava a pessoa no lugar da construção e suponha-se que essa pessoa fosse transformasse numa espécie de divindade tutelar que protegeria os trabalhos e que levaria aquela construção a bom termo, então lido dessa maneira, o Mito de Hiram seria o mito relativo ao sacrifício de construção em que o sacrificado é o próprio arquiteto.
Olha existem tradições da maçonaria operativa medieval que passam muito perto disso, eu apresento aqui no trabalho, infelizmente não há tempo para ler um poema oriundo da Europa Oriental, da Rumenia, é a historia de um mestre chamado Manolo que foi convocado por um príncipe, para construir um mosteiro e as obras não caminhavam, tudo o que os operários construíam de dia, vinha um poder maléfico de noite e destruía tudo e o Manolo tem um sonho, que é uma revelação, se ele quisesse construir um mosteiro ele tem que matar e sacrificar a primeira pessoa que aparecer no dia seguinte, no canteiro de obras. E quem aparece é a namorada do Manolo trazendo o lanche para os operários, então é um drama terrível, mas ele leva a termo a sua decisão e empareda viva a moça durante o trabalho de construção e constrói-se o mosteiro. No fim morre todo mundo, o Manolo, os operários, e aquele lugar, com aquela construção fica marcado como um lugar maldito. O poema é muito bonito, está aqui no apêndice do trabalho e vocês podem ler em casa.
Então nós temos várias variantes do rito de sacrifício de fundação, então, elege-se um indivíduo qualquer e ele é sacrificado. Num outro caso é a noiva ou a namorada do arquiteto que é morta e no mito maçônico é o próprio arquiteto que é morto e sacrificado para que a construção do Templo seja levada a bom termo. Agora, isto aqui agora é para encerrar, há um momento crítico no ritual em que na fase mais importante do processo de exaltação, o neófito que está deitado no esquife é levantado pelos chamados cinco pontos de perfeição e esse ritual ele tem dois significados, em primeiro lugar, é um simbolismo de fraternidade, ou seja, ninguém pode se tornar mestre sozinho, a pessoa que vai ser iniciada ou exaltada a mestre, precisa do auxílio, do apoio dos seus companheiros e principalmente do Venerável que é quem o levanta pelos cinco pontos de perfeição.
O outro significado desse ritual está na transmissão inciática ou seja através daqueles cinco toques, a dignidade de mestre, o segredo da maestria são transmitidos pelo Venerável ao novo mestre que está nascendo ali.
Agora por que cinco? Por que são cinco pontos, e não quatro, ou não seis? A resposta está na simbologia medieval, na idade média existe uma complexa teoria simbólica tudo na idade média é símbolo de alguma coisa e o número cinco aparece num tratado de uma mística que Hildegarde de Bingen, do século XII como sendo, por excelência, o número do homem, palavras de Hildegarde de Bingen, o homem se encontra dividido, no sentido da altura; do alta da cabeça até os pés em cinco partes iguais.
No sentido da largura formada pelos braços estendidos da ponta de uma mão à outra, também em cinco partes iguais, levando-se em conta essas cinco medidas iguais, em altura e largura, o homem pode ser inscrito num quadrado perfeito, mas agora de onde vem aquele gesto das pessoas se tocarem por cinco pontos? É um segredo que vem da maçonaria operativa, no seminário de aprendiz eu falei do caderno de um arquiteto medieval chamado Villard de Honnecourt, um arquiteto do Século XXIII, desenhos e nesses desenhos aparecem duas pessoas engalfinhadas, como se estivessem lutando e se agarrando pelos ombros, acontece que esse figura de duas homens se agarrando pelos ombros e com os pés se tocando é como nos cinco pontos de perfeição, ela representa um forma geométrica, a forma da janela em ogiva, própria das catedrais medievais, então esta prática dos cinco pontos de perfeição é uma herança que a maçonaria moderna herdou das suas antecessoras, a maçonaria operativa. E finalmente, agora para encerrar, eu vou mais uma vez chamar o Lévi-Strauss que eu usei no início do trabalho.
O Lévi-Strauss está muito preocupado com as relações entre natureza e cultura e essa questão está presente aqui também no Mito de Hiram, ou seja o que que é o Arquiteto? O arquiteto é um mediador entre natureza e cultura, é um homem que sai da cidade, vai ao campo, vai à natureza, e traz de lá materiais brutos, madeira e pedra e transforma isso aí em que? Em objetos culturais que são as construções, então o papel do arquiteto é ser um mediador entre natureza e cultura e não é à toa que nas várias mitologias os deuses criadores sejam representados ou como arquitetos como construtores ou então como oleiros como trabalhadores do barro.
A narrativa Bíblica de Deus fazendo o homem a partir do barro isso tem um porção de narrativas semelhantes, inclusive aqui entre os índios da América, então entre outras cousas o Mito de Hiram nos convida também a meditar sobre as relações entre natureza e cultura, que no momento presente vão muito mal, nós diríamos que este mundo pós moderno em que vivemos padece de um mal, de uma doença que seria civilização em excesso, ou cultura em excesso e isto redunda em prejuízo para a natureza e nós estamos destruindo a natureza, arrasando com o meio ambiente e destruindo a natureza nós corremos o risco de perecer também porque não podemos esquecer que mesmo sendo seres culturais, tendo construído, edificado, uma cultura somos também seres naturais o nosso alicerce vital, digamos assim, esta na natureza e se nós destruirmos a natureza, nós pereceremos junto com ela, então nós podemos também ler esta mensagem nas entrelinhas do mito maçônico de Hiram.
E tem muito mais que isso, eu fiz apenas um resumo bastante rápido e mais uma vez eu convido os IIr.´. a lerem esse trabalho em casa, com carinho, para acompanhar toda a argumentação e toda fundamentação bibliográfica que eu usei aqui. E com isso então eu dou por encerrada a minha exposição.