O cidadão vendia miudezas de
armarinho.
Muito falante, encontrava-se num
ponto de comércio que lidava com variedades. Um lugarejo perdido nestas Minas
Gerais.
Apresentou-se como Sampaio Filho.
Já noite, a opção de hospedagem era
uma única para os esporádicos caixeiros viajantes que ali pernoitavam: A Pensão
da Dona Geny.
Após o jantar, nada a ver além do
Jornal da TV, que era num único canal, bem chuviscado. Em seguida reunião
forçada à porta da pensão, assentados em bancos de madeira, para se jogar
conversa fora, até que o sono os apanhasse desprevenidos.
Inicialmente o assunto era o de
empresas, de vendas, de boas praças, da crise, do comércio instável, do mau
pagador, do chefe imbecil, para logo passar para o assunto de mulheres...
Acabados os assuntos e as mentiras, o
sono não vinha.
O grupo já estava calado e de súbito
foi abordado por uma interrogação de Sampaio:
-
Alguém de
vós é?
O grupo de
quase dez vendedores se entreolhou.
- Que é isso? Perguntou um gordo de
bochechas vermelhas.
Sampaio emendou:
-
Se não és, nada entendem de execuções sumárias. Da força sobre-humana
que mata e destrói os que traem.
Alguém sussurrou:
- Endoidei de vez!
Sampaio continuou:
-
Vejo que
vocês não conhecem. Vocês conhecem a Maçonaria? Não conhecem, não é? Mas,
cuidado com nós! Nós somos a justiça! Somos a lei! Somos o poder! Nós somos o
malhete secreto! Vocês conhecem o GADU? Lógico que não conhecem! Ele só entra
em ação quando alguma coisa acontece com um irmão de fé. GADU significa GRUPO
DE APOIO AO DESTEMIDO ULTRAJADO.
O pessoal
estava curioso pois pouco entendia.
-
É moço? O
negócio é organizado assim?
-
É nós aqui
descuidados com você!
Sampaio entusiasmou-se e
começou a explicar:
-
Com nós, lá
na maçonaria, o negócio é mais ou menos mais embaixo! Lá o povo é dividido em
tribos, de acordo com o grau.
-
São
Conselhos?
-
É como os
índios?
-
É isso ai!
Vocês estão no caminho certo. Lá tem o Conselho de Cadoche. O Cadoche é o
chefão. É o cacique. Ele possui um bode preto que fuma cachimbo, espirra e dá
coices. É nessa hora que resolvemos os problemas da humanidade.
-
Credo em
cruz! A coisa é feia!
-
E como é
feia. Feia e penosa. Eu, por exemplo, só estou lá porque sou J\ e P\.
- Mas, esse
bode é bravo?
- Depende.
Esse bode preto todos nós montamos nele. Aliás, depende do grau. Se for grau
alto pode passear no lombo do bicho. Isso só grau acima de dez. Nesse caso ele
fica manso. Se for grau inferior, igual a um ou um e meio, o sujeito toma tombo
toda hora. O bode é sistemático. Detesta subordinados.
-
Como os maçons
se comunicam? É berrando?
-
Nós não
falamos hora nenhuma. Nós só fazemos sinais. Tudo é no sinal.
-
Como é que
vocês pedem cervejas?
- Se for Brahma é só levantar o dedo indicador
para cima?
-
Nada disso!
O indicador para cima no bar, significa trazer bebida para Apr\. Nesse caso é bebida
amarga.
O pessoal estava curioso. Sampaio continuava com seu
show:
-
E tem mais. Quando o médico é irmão, você conhece logo. Se ele colocar o
ouvido nas suas costas e disse: Fale trinta e três! Você só pode falar se for
grau trinta e três. Se não for, deve dizer, por exemplo: Só posso falar até o
grau dezoito, irmão doutor!
-
Mas vocês
são de qual religião?
-
Vocês têm
religião?
-
Dizem que vocês
juram obedecer o capeta?
-
Não! Isso é
falso levantado contra nós. Nós temos nossa religião, mas tudo separado em
Departamentos: Caridade, O de Apoio ao Destemido Ultrajado, o de Caciques ou
Cadoches. Tem o Capitular. Esse Capitular se reúne toda semana e tem que ler e
interpretar um capítulo da Bíblia. Por isso ele é Capitular.
-
Puxa! Isso
não deve ser tão ruim assim. A gente pode escolher qualquer um desses
Departamentos para freqüentar, ou tem que participar deles todos?
-
Não! Antes
de tudo vocês precisam ser Liv\ e de bons CCost\. Fazer caridade. Gostar de
preto. Usar medalhas, luvas, avental. Saber bater martelo. Fazer discurso.
Comer tarde da noite. Montar bem... e o principal: Saber manejar bem peixeira,
facão, espada ou similar, pois no caso de você ser convocado pelo GADU, para
lavar a honra de um irmão...
Já chegava. Estava na hora. Ouviram demais:
-
Boa noite,
porteiro! Boa noite, Sampaio! Estamos com sono! Vamos dormir.
-
Amanhã é dia
de preto... na folhinha.