Parte 1.
O contexto
Corria o Verão de 1791. Consta-se em Viena que o Imperador Leopoldo II,
sucessor do vanguardista José II, pretende proibir a Maçonaria. Mozart, que
pertencia à Loja Esperança Coroada, conhecida por ser um dos grupos mais
progressistas do seu tempo, decide escrever uma ópera a criticar essa atitude
do soberano.
Juntamente com outros dois maçons (Schikaneder, brilhante ator, e
Giesecke, futuro professor de Mineralogia na Universidade de Dublin) prepara A
Flauta Mágica, peça de ópera fantástica em que um enredo caricatural
esconde simbologia maçônica. Mozart sabia que Leopoldo II, homem de grande
cultura, perceberia a mensagem. Contudo, escreveu uma ópera dirigida ao grande
público e não ao pequeno círculo daqueles que poderiam descodificar a obra.
Prova-o o número de representações e o sucesso destas, mesmo contra as críticas
azedas de alguns eruditos da época (excetua-se, por exemplo, Salieri que
aplaudiu este trabalho entusiasticamente). Ironicamente, esta obra que ainda
era representada quando Mozart morreu de febre pneumônica nesse mesmo ano, não
foi concebida para ganhar dinheiro, de que Mozart necessitava desesperadamente
ao ponto de se sujeitar a estranhas encomendas (o Requiem, K626). Foi a sua
forte convicção maçónica que o fez consagrar o seu tempo de trabalho, e alguma
da sua melhor arte, nesta ópera. A Flauta Mágica que é hoje a ópera de
Mozart mais apreciada e representada. Uma forma sublime de dar um recado...
Parte 2. Contexto Histórico
A vida de Mozart, e concretamente a sua obra Die Zauberflöte, coincide com
uma franca explosão de maçonaria mundial, mas também da sua perseguição...
A Grande Loja de Londres foi formada em 24 de Junho de 1717, tendo a sua
primeira Constituição surgido em 1723 por lavra do Pastor Anderson. Dado que a
Grã-Bretanha era vista, nessa fase da história européia, como a Pátria da
Liberdade, e uma vez que se vivia pela Europa fora um clima de abertura que
veio a ser conhecido por Século das Luzes, a exportação do modelo da
maçonaria especulativa para o continente, nomeadamente para a França, foi quase
imediata.
A
primeira Loja em Portugal terá surgido por volta de 1727 (dos Hereges
Mercantes) tendo-se regularizado em 1735. Já em 1733 foi fundada a Casa
Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia que pode ser entendida como a
predecessora da Maçonaria Portuguesa de hoje.
Em 1738, quando a expansão da ordem era tal que já surgiam em França as
primeiras reformas, como o Rito Escocês de Ramsay, a Maçonaria foi alvo
de uma bula de excomunhão dos pedreiros-livres, promulgada por Clemente XII,
assustado pelo caráter livre-pensador desta Ordem em exponencial expansão.
Foi em 1742, quando a Loja de Coustos sofreu repressão exemplar pela
Inquisição portuguesa que se formou a primeira Loja austríaca, de seu nome Aux
trois Canons, formada a partir de uma Loja de Breslau (hoje Wroclaw, na
Polónia) Aux trois Squelettes.
A expansão da maçonaria no Império Austro-Húngaro foi rápida, talvez devido
ao prestígio emprestado pelo Duque de Lorraine, Francis Stephen, que era maçom
desde 1731 e que conseguiu convencer o Imperador Charles VI a ignorar a bula
papal.
Francis Stephen viria a ser Imperador, proporcionando à Maçonaria Austríaca
uma época dourada que viria a ser ensombrada com a sua morte em 1765. Marie
Thérese, sua esposa, assume os destinos do Império, reinando em conjunto com
seu filho Joseph II. Apesar deste ser um progressista iluminista, o cerco à
Maçonaria iniciou-se desde logo, pois Marie Thérese, por influência do seu
catolicismo, era acérrima inimiga da Ordem.
Sendo inicialmente de cariz religioso, cedo as suas objeções se revelaram
também políticas: nas Lojas Maçônicas nobres e plebeus eram tratados como
iguais, discutindo livremente qualquer tópico, professando diferentes religiões
sem discórdia, mantendo elos secretos de solidariedade por vezes transnacional.
A Imperatriz, como muitos soberanos na época, reconheceu na maçonaria um
potencial de instigação revolucionária que, como a Declaração de Independência
Americana de 1776 veio provar, poderia destronar as velhas nobrezas do poder.
Joseph II, ao que parece ele próprio maçom, era favorável aos princípios da
Ordem, tal como se demonstra por uma epístola enviada ao maçom Colloredo,
Arcebispo de Salzburg: o Império que dirijo deve ser governado de acordo com
os meus princípios: os preconceitos, o fanatismo, a arbitrariedade e a opressão
das consciências devem ser reprimidos e cada um dos meus súditos deve ter
direito às liberdades que lhe pertencem.
Todavia, mesmo reinando sozinho desde 1780, os acontecimentos dos últimos
anos e as informações alarmistas da polícia secreta fizeram com que o Imperador
tentasse refrear a Ordem Maçônica, que só em Viena teria já mais de mil
adeptos.
Violando claramente essa sua alardeada vontade de respeitar as liberdades
de seus súbditos fez publicar, a 28 de Março de 1781, um decreto que viria a
ser um golpe mais eficaz que as bulas de Clemente XII (1738) e Benedicto XIV
(1751), uma vez que quebrou a regularidade das Oficinas do Império: nenhuma
ordem espiritual ou secular pode submeter-se à autoridade estrangeira nem essas
ordens poderão pagar tributos à outra entidade que não a Monarquia.
A constituição da Grande Loja da Áustria, em Abril de 1784, não conseguiu
travar o declínio iniciado. A 22 de Abril de 1784 havia 17 lojas na Áustria, 7
na Boémia, 12 na Hungria, 17 na Bélgica e 4 em Lamberg (Galiza). Dessas,
algumas delas, como a Verdadeira Concórdia do mineralogista Ignaz von Born,
tinham mais de 200 elementos.
Foi nesse ambiente que Wolfgang Amadeus Mozart foi iniciado a 14 de Dezembro
de 1784 na Loja da Beneficência (Viena), tendo passado a Companheiro a 7 de
Janeiro de 1785.
As suas relações com a Maçonaria datam, pelo menos, de 1773 quando aceitou
o pedido do maçom F.A. Mesmer (cientista conhecido pelos seus trabalhos sobre o
magnetismo animal) para musicar um texto do também maçom Gebler. A obra
denominava-se Thamos, Rei do Egito, cuja ação decorre na época em que
lendariamente se atribui a fundação da Maçonaria. A egiptologia estava nessa
altura intimamente ligada à maçonaria, como o surgimento do Rito Egípcio
de Cagliostro demonstra.
É também curioso que, em Novembro de 1777, Wolfgang assine uma carta para
uma prima sob o pseudônimo W. Amadé Rose-Croix. Outros indícios da sua
proximidade são as conhecidas relações com os Mesmer ou o conde van Swieten, ou
ainda a sua participação em atividades para-maçônicas como os Concertos dos
Amadores. Há ainda a assinalar uma certa adesão de linguagem, demonstrada
numa carta enviada ao Padre Martini em 1776 em que refere a necessidade de
nos iluminarmos mutuamente e de nos empenharmos no progresso das Ciências e das
Belas-Artes.
A Loja a que Mozart pertenceu estava bem dentro desse espírito. Sabe-se que
era constituída por Príncipes, Condes, Barões, altos funcionários públicos,
oficiais militares, diplomatas, escritores, músicos, banqueiros e comerciantes,
e que os assuntos versados seriam muito provavelmente políticos e reformistas.
Contudo, o alto nível social dos seus elementos não evitou que em 11 de
Dezembro de 1785 o Imperador Joseph II decretasse a redução das Lojas vienenses
a 3 e dos seus membros a 180. Como consequência duas Oficinas dessa cidade
abateram colunas (S. João e Constância) tendo alguns irmãos
integrado a recém-formada Nova Esperança Coroada, constituída a partir das
Lojas A Esperança Coroada, A Beneficência e Três Fogos. As
restantes três Lojas de Viena, A Verdadeira Concórdia, A Palmeira
e As Três Águias formaram sob o malhete de Born uma verdadeira Loja de
elite chamada A Verdade. O decréscimo de mais de mil para 360 maçons e
as perseguições que se seguiram ditaram que nenhuma das Lojas sobrevivesse à
década seguinte.
Mozart empenhou-se na causa maçônica, tendo mesmo composto música ritual e
várias cantatas. Ao fato de a partir da morte de Joseph II em 1790, não ter
recebido mais encomendas reais, não se alheiam as suas conhecidas inclinações
maçônicas. Apesar de Leopoldo II, o sucessor, ter sido Soberano Príncipe
Rosa-Cruz na Toscânia, ele encontrava-se atemorizado pelos acontecimentos de
1789 em França, onde estalou uma Revolução sob o mote Liberdade, Igualdade,
Fraternidade, identificado com os valores maçônicos. Apesar da Maçonaria
Francesa ter sido uma das vítimas preferenciais do Terror (dado que se
constituía por muitos membros da aristocracia) a irmã de Leopoldo, Marie Anthoinete,
em prisão domiciliária, era peremptória em acusar esta Ordem da instabilidade
das monarquias na Europa. Pior do que isso, sabendo que Frederico II da Prússia
era, ele próprio, maçom, Leopoldo temia que a Ordem servisse como rede de
oposição interna aliada ao inimigo do Norte.
A partir de 1790, Leopoldo II assumiu, receando as consequências da
agitação causada pelas várias ordens secretas que operavam no Império
Austro-Húngaro (i.e., Illuminati, Estrita Obediência/Templários,
Irmandade Asiática, Rosa-Cruz, Lojas de S.João), uma posição ainda mais
negativa que o antecessor, a qual viria a ser extremada após a sucessão por
Francis II.
Em 1791, a situação da Maçonaria na Áustria era de agonia. W.A. Mozart foi
contatado por diversos irmãos para produzir obra que propagandeasse as virtudes
da Ordem maçônica. Já em 1785, Mozart tinha composto As bodas de Fígaro,
ópera de contornos igualitários, e era-lhe por ora proposto que fizesse uma
ópera séria para a coroação de Leopoldo II, em Praga. Por sugestão de alguns
irmãos desta cidade, Wolfgang musicou a obra de Metastasio intitulada A
Clemência de Tito em que se retrata um Imperador imbuído de valores de
tolerância, poupando os seus inimigos, em alusão ao desejo de ver Leopoldo
tolerar a existência da Maçonaria.
Nesse ano derradeiro de 1791, Mozart encontrava-se em plena produtividade.
A última obra que apresentou em público foi A Flauta Mágica, que ele
próprio conduziu. Esta ópera foi composta a partir do libretto de Schikaneder,
que era simultaneamente ator e diretor de um teatro em Viena (Auf der Wieden).
Schikaneder, maçom, propôs a Mozart esta ópera, escrita a partir de um texto de
Wieland (Lulu e a flauta mágica), a partir do qual foi possível explorar
a simbologia maçônica e deixar uma mensagem.
Parte 3. Sinopse Primeiro Ato.
Tamino, ameaçado por uma serpente, grita em vão por ajuda e desmaia.
3 Damas do Reino da Rainha da Noite matam a serpente e admiram a beleza da
juventude inconsciente.
Papageno caça pássaros para a Rainha, mas quando se gaba de ter morto a
serpente é castigado pelas 3 Damas que o amordaçam.
Quando Tamino acorda, mostram-lhe o retrato de Pamina, filha da Rainha, e
ele apaixona-se.
Com um raio, a Rainha aparece e promete a Tamino a mão da filha desde que
este a salve das garras do maléfico Sarastro.
As 3 Damas libertam Papageno da mordaça e dão-lhe um conjunto de sinos
mágicos. A Tamino dão uma flauta mágica, para que este se defenda dos perigos a
caminho do Castelo de Sarastro, a que será conduzido pelos 3 Rapazes.
No palácio de Sarastro, Papageno encontra Monostatos, que capturou Tamina,
que tentava fugir, e que ameaça seduzi-la. Papageno e Monostatos assustam-se
mutuamente, julgando ver o demônio.
Entretanto, os 3 Rapazes levam Tamino aos 3 Templos (da Natureza, da Razão,
da Sabedoria).
Fascinado pela solenidade do local, Tamino apercebe-se que Sarastro afinal
não é uma besta horrenda, mas antes o Sumo Sacerdote do Templo da Sabedoria.
Afinal Pamina está viva e não corre perigo!
Então convoca Papageno com a Flauta Mágica. Eles ouvem, mas não se
conseguem encontrar.
Pamina e Papageno fogem de Monostatos e seus escravos que os tentam
aprisionar. Papageno, usando os sinos mágicos hipnotiza os escravos que deixam
de os perseguir.
Entra Sarastro.
Pamina ajoelha-se e pede perdão pela fuga, enquanto Monostatos apresenta
Tamino cativo.
Mas Sarastro fala docilmente aos enamorados, mas anuncia que terão de ser
purificados antes da união.
Como prêmio, Monostatos recebe 77 vergastadas.
Segundo
Ato.
Sarastro informa os Sacerdotes reunidos que deseja fazer de Tamino
sacerdote e que o submeterá ao ritual iniciático. Foi por ele que raptou Pamina
à mãe, pois os deuses destinavam-na a Tamino. Os Sacerdotes mostram o
assentimento com 3 sopros de trombetas, e sarastro reza aos Deuses para que o
espírito da sabedoria esteja neste par.
Tamino recebe as instruções de Sarastro obrigando-se ao silêncio e
mantém-se firme quando as 3 Damas o tentam profetizando a desgraça. Só com
dificuldade consegue evitar que Papageno fale. Este acompanha-o nas provas mas
a estrada da purificação está-lhe vedada.
Monostatos, que rapta Pamina é surpreendido pela Raínha da Noite. Esta, dá
um punhal a Pamina para que mate Sarastro. Monostatos apanha o punhal e força-a
à rendição quando Sarastro intervém salvando-a.
Os 3 Rapazes conduzem Tamino a
Pamina.
Esta fica desiludida porque Tamino não lhe fala, pois mantém-se fiel ao
juramento.
Sarastro exige mais um sacrifício a Tamino: que se despeça de Pamina.
Tamino, no caminho da purificação, é interrompido por Papageno e pela sua
Pamina, disfarçada de velha para o tentar.
Os 3 Rapazes anunciam a chegada da manhã e salvam Pamina que estava prestes
a cometer suicídio com o punhal.
Feliz, é autorizada a seguir Tamino nas provas do fogo e da água, os
últimos marcos no caminho de provações.
Papageno, é também reunido à sua Papagena.
Pela última vez, os poderes das trevas reúnem-se e tentam extinguir a Luz.
A raínha da Noite, as 3 Damas e Monostatos forçam a sua entrada no Templo,
sedentos de vingança. Mas desaparecem numa explosão de raios e trovões e o
Templo do Sol brilha na sua glória.
Parte 4.
Breve Interpretação
É frequente ouvir comentar a Flauta Mágica como sendo uma peça ingênua, sem
mensagem, de pobre conexão cênica. Todavia, em toda a sua idade adulta, Mozart
nunca apresentou uma peça desprovida de significado. É, portanto, de esperar
que os comentários que menorizam a grande ópera de Mozart sejam, eles sim, de
uma profunda ingenuidade.
A aparente futilidade da história serve os intentos de quem quer falar
publicamente de um assunto, mas que deseja ser ouvido em dois registros, um
profano, a que se destina a historieta de amor de contornos fantásticos, e
outro iniciático, contextualizado com a simbologia da Real Arte. Goethe
traduziu essa intenção da Flauta Mágica afirmando que é suficiente
que o público ache prazer no espetáculo: ao mesmo tempo a sua alta significação
não escapará aos iniciados.
A Flauta Mágica provém de uma evolução temática de Mozart,
iniciada na infância com a peça An der Freude (que compôs com 12 anos)
sobre um texto maçónico, materializada em Thamos, Rei do Egipto, onde se
aborda a temática da fundação da Maçonaria, e se consolida em obras como As
bodas de Fígaro, A Clemência de Tito ou Zaide.
Se sabemos que Schikaneder assinou o libreto, não podemos ignorar que este
não poderia ser responsável pela alta coerência da simbologia, uma vez que
havia sido expulso da sua loja de Ratisbona, Karl zu den drei Schluessen,
nunca tendo sido readmitido. Sabemos também que, quase 30 anos passados,
aparece Johann Georg Metzler, jurista, minerólogo e ator, a reclamar a autoria
das partes sérias desta obra. E, reconhece-se a profunda influência do
Venerável Ignaz von Born na concepção e contextualização da obra. Isso implica
a supervisão direta do próprio Mozart, única pessoa que tinha acesso aos três
ideólogos conhecidos da obra.
Na Flauta há diferentes planos sobrepostos e a análise de um único
plano peca por defeito. Assim, passaremos a analisar esta obra, encontrando
muitas vezes significados distintos, mas concomitantes.
É notório o aparecimento de temas subtis recorrentes em Mozart como a
igualdade entre os sexos (Cosi fán tuti). Assim, uma primeira
interpretação desta obra poderia levar a que se julgasse ser apenas uma
referência à luta entre sexos. A Rainha-da-Noite, elemento feminino
representaria a ignorância, de que Pamina se liberta por casamento, enquanto
Sarastro representaria a sabedoria. Poder-se-ia nesse sentido interpretar a
obra como defensora de duas posições opostas: as mulheres ignorantes e
incapazes de chegar aos segredos ou, pelo contrário, Pamina representando a
redenção do sexo feminino, apresentada em igualdade com Tamino na cena final da
ópera. Esta interpretação é pertinente e, seguramente, um dos objetivos a que
Mozart se propõe. Registros históricos demonstram que a polêmica do papel das
Lojas de Adoção ou Ritos Femininos estava bem acesa e que a Grande Loja
Austríaca era uma das organizações mais favoráveis a uma participação feminina
não decorativa. É também desse tempo o surgimento do Rito de Cagliostro, misto,
do qual Mozart bebeu alguma simbologia egípcia. O início do Ato I faz uso de
simbologia das Lojas de Adoção (Ordem de Mopses): a serpente, os pássaros, o
aloquete. O número de Damas (3) significa que estas são iniciadas, o que
justifica que se oponham ao mundo tradicional da maçonaria (representado pelos
3 rapazes).
Uma outra interpretação, de elevada coerência, foi proposta em meados do
século passado pelo célebre teólogo Moritz Alexander Ziller, maçom proveniente
de Leipzig, que reconheceu nas personagens alguns tipos da conjuntura de 1790.
Segundo esta interpretação, Sarastro representa um dos mais importantes Mestres
Maçons, o então recém-falecido Ignaz von Born, Tamino representaria o Imperador
Joseph II, Pamina o povo austríaco, pelo qual Joseph II combateria a falaciosa
proteção da Rainha-da-Noite, Imperatriz Marie Thérese. Outras personagens foram
desta forma identificadas: p.ex., Monostatos seria um maçom renegado chamado
Hoffmann. Se esta interpretação parece acertada, parece que a simbologia desta
ópera não se esgota aí.
Uma curiosa interpretação refere-se aos quatro elementos pitagóricos e a um
incessante jogo de espelhos, como se se tratasse de um mosaico. Neste texto,
existem claros pares de opostos: Tamino representa o Fogo e Pamina a Água,
Papageno representa o Ar e Monostatos a Terra. Com estes interagem os símbolos
Solar e Lunar, respectivamente Sarastro e a Rainha-da-Noite. Ou os elementos
masculino e feminino: a futilidade feminina de Papageno e a bestialidade viril
de Monostatos, Sarastro contra a Rainha ou os Três Rapazes contra as Três
Damas.
Este jogo de reflexos é associado pelos iniciados à dualidade entre as
colunas Jakin e Booz, sob as quais são representados, respectivamente, Osíris e
Ísis, Masculino e Feminino, Sol e Lua, Dia e Noite, Fogo e Água, Ouro e Prata,
Ativo e Passivo, 5 e 3, Vermelho e Branco, Elucidação e Discurso, Maçonaria de
Hirão e Ordem de Mopses (adoção).
Das interpretações já apresentadas, a história da Flauta apresenta-se como
a rebelião contra o sexo forte, protagonizada pela Rainha que pretende obter o
cetro solar (o segredo da maçonaria masculina) na posse do Grão-Mestre Sarastro
(símbolo da ordem masculina). O início da obra corresponde a um mundo de
desordem: o negro Monostatos, o Corvo, está entre os puros enquanto Pamina, a
Pomba, está entre os vís.
No decorrer da obra, caminho iniciático, Pamina é raptada ao mundo da
noite, num dia de Primavera (esperança), de um jardim de ciprestes (referência
à morte). A sua tentativa de fuga ao poder de Sarastro termina num jardim de
palmeiras (referência à ressurreição).
Por conseguinte, há dois caminhos iniciáticos paralelos: o de Tamino,
iniciação tradicional, e Pamina, semi-iniciação (de adoção). É notável a pista
que nos é dada, provando esta interpretação, quando os amantes se submetem
juntos às provas do Fogo e da Água.
Nesse contexto, a obra termina precisamente com a chegada de uma idade de
ouro, uma nova ordem, em que Tamino e Pamina se casam, representando o seu
casamento um nivelamento ritual e uma vitória da ordem sobre o caos(...).