Quem
somos nós, os maçons? O que é que nos caracteriza?
Em
primeiro lugar, o nosso denominador comum é a inquietude pelo conhecimento em
liberdade, sem partir de convenções às quais não tenhamos chegado mediante a
reflexão pessoal: um maçom não é dogmático, mas mais axiomático na sua maneira
de proceder, porquanto o seu pensamento parte do que é mais evidente para
todos, procurando aceder àquilo que não é evidente. O seu processo reflexivo é
maiêutico, socrático. Além disso, propõem-se reconhecer a sua própria liberdade
a todos os homens honrados, sem distinção de raças, sexos, religiões ou
convenções políticas que respeitem a ética fundamental dos direitos humanos:
persegue a tolerância ativa
ou construtiva, que é virtude vivida, e não a mera tolerância constitucional ou legal.
Em suma, beneficia com o diálogo livre e baseado na sinceridade, vendo em cada
homem ou mulher ou irmão ou irmã na humanidade. Ama a fraternidade e apóia-se
nela para conhecer melhor a si próprio e aos demais, buscando pessoalmente a
realização prática da Verdade, da Justiça e dos arquétipos do pensamento humano
em geral.
O que
atrás se disse descreve o perfil maçônico em geral que resulta da análise objetiva
dos princípios que inspiram a Maçonaria como Ordem iniciática Universal.
Representa o maçom realmente iniciado
e não precisamente a quem considera que a iniciação consiste em ter sido
recebido ou admitido como membro da Fraternidade ou Ordem maçônica por ter
ingressado numa Loja ou Oficina de trabalho, sem mais. O avanço até a
transformação pessoal é um lento processo gradual que começa pela busca do
conhecimento de si próprio em fraternidade e tem como meta alcançar a autêntica
Sabedoria humana. Isto é o que entendemos como via iniciática, e a Maçonaria
entendeu sempre que os seus iniciados (quando a sua maturidade iniciática o
permita) devem constituir um fermento que contribua para conseguir a Paz
universal e a melhoria da Humanidade.
Como em
toda a escola de aprendizagem, nem todos entendem tudo, nem entendem de forma
idêntica, nem praticam da mesma maneira. Houve, certamente, circunstâncias e
períodos históricos nos quais determinadas pessoas ou determinadas Lojas,
influenciadas pelas tendências filosóficas transitoriamente dominantes (sobretudo
a do positivismo, durante o século XIX e parte do Século XX) ou por situações
sociais que requeriam, sem dúvida, uma atenção imediata, centraram o melhor das
suas energias na busca de uma ordem social considerada mais justa aqui e agora,
minimizando o progresso iniciático pessoal como premissa prioritária para
alcançar o bem da Humanidade (não é o mesmo que o bem transitório de um grupo
social, ainda que isto seja também importante).
Os
maçons do Rito Escocês Antigo e Aceito, reconhecem como Irmãos todos os homens
que buscam honradamente o seu gradual aperfeiçoamento, contamos, no nosso Rito,
com um vetor muito especial da Tradição iniciática. As circunstâncias sociais
mudam e continuarão a mudar ao longo do tempo, mas mudará o que é substancial
no homem. E é essa essência humana a que o nosso Rito contempla. Daí, que os
seus valores, adogmaticamente contemplados, constituem um tesouro permanente e
inalterável para orientar o homem do século XXI na sua busca de sentido.
Atribui-se
a Aristóteles a expressão de uma convicção milenar da qual foi provavelmente o
seu divulgador solitário:
“A luz do sol é una, por mais
que se disperse sobre uma infinidade de objetos. Do mesmo modo, não há mais que
uma “matéria”, inclusive se parece dividir-se em coisas separadas, uma só alma,
inclusive se reparte entre milhares de seres, e uma só inteligência, inclusive,
se esta parece também dividir-se”.
O nosso Rito concebe a Realidade como um processo universal em que
cada coisa é manifestação de um aspecto diferente, em função do dinamismo
próprio e interativo do observador, do maçom.
Utilizando os símbolos como meio de aproximação aos diversos aspectos
da realidade aparente, o método que é o nosso Rito conduz à reunião do que está
“disperso”, a partir de uma tomada de consciência do sujeito como parte
integrante da mesma realidade. O conhecimento da sua relatividade através das
múltiplas manifestações.
O método da análise implícito no Rito Escocês Antigo e Aceito
aplica-se no ternário homem –
templo – universo, considerando o Homem como manifestação do Ser
universal, com uma história evolutiva que só conhecemos em parte. Cada ser
humano é, por sua vez, uma versão concreta desse Homem universal ideal; um
templo igualmente em construção, capaz de “orientar-se” dentro do nosso
universo, se utilizar ao máximo as suas potencialidades, já que cada um de nós
é um microcosmo construído com os mesmos elementos que o macrocosmo. No nosso
templo pessoal vamos descobrindo os utensílios de trabalho necessários para
avançar nessa construção que será prefiguração do grande templo de uma
Humanidade melhorada, no qual pode reinar a paz e a harmonia. Os maçons do Rito
Escocês Antigo e Aceito chamam virtudes às potências ou capacidades virtuais
que residem em cada ser humano, desenvolvido conscientemente, fazendo-o avançar até ao seu próprio
aperfeiçoamento, e simbolizamo-las como utensílios da construção física: régua,
prumo, esquadro, compasso, em correspondência com números, medidas e formas. De
igual maneira que os antigos maçons ou construtores físicos consideravam que a
Geometria era a síntese de todas as ciências, estrutura de todas as artes, e
que a arquitetura era a sua expressão compendiada, a Maçonaria livre do Rito
Escocês centra-se no desenvolvimento de uma Geometria espiritual, cujos múltiplos símbolos apontam apara a
mesma síntese.
Só através das virtudes, concebidas como utensílios orais, seremos
capazes de ver o mundo como com novos olhos e compreender que tudo quanto
existe é, em primeiro lugar, aparência. Em todas as aparências de tudo quanto
se nos apresenta como “realidade” subjaz um fio condutor que relaciona as
coisas entre si, apontando para a fonte comum. Tudo quanto existe é
manifestação simbólica de um Todo que é o Ser universal: o que “é” por si
mesmo, inacessível ao Homem em sua plenitude, porquanto a nossa mesma natureza
humana, como manifestação parcial desse Todo, limita a nossa capacidade de
percepção ao manifesto que não é o análogo, ficando fora do nosso alcance o não
manifestado, o que procedeu ao momento “zero” da criação.
Os Mestres do Rito Escocês Antigo e Aceito sabem, como lendário Moisés
no Sinai, que o que podem contemplar não é senão o esplendor, a “glória”, do
Princípio criador do Universo; de um universo cujas regras e proporções há de
descobrir e imitar porque surgem manifestadas, de uma ou outra forma, nas
estruturas de todo o existente. Somos certamente buscadores daquilo que nos
transcende, do que aponta até ao Ser Supremo universal, agitando-se dentro de
nós mesmos em primeiro lugar a sede do conhecimento do mundo, porque sentimos
que cada homem e quanto o rodeia contem
e reflete a Revelação do Ser. Preocupa-nos o fundo e a forma
do humano. Interessa-nos aprender a sua Grande Obra Universal, da sua profunda
estrutura, porque formamos parte dela e de cada homem é a sua imagem reduzida.
A Maçonaria contempla a Natureza com manifestação ou expressão de uma
misteriosa ordem universal. As pautas e normas que o regem, o seu estudo e o
seu conhecimento, interiorizado como sentimento
consciente, constitui a meta maçônica. Não nos opomos a nenhuma
expressão religiosa do processo universal, porque simbolistas, tendemos a
opinar que a Verdade é de todos e está em todos. Pensamos que se
devem transcender as concretizações que a religiosidade humana tem vindo a produzir
ao longo do tempo. Cremos que é possível construir em comum uma humanidade melhor na Terra, reunindo o
disperso, e aceitamos para ela todos os ensinamentos nobres que estimulem a
tolerância, com o ânimo de caminhar até à Sabedoria, que é o compêndio das
autênticas virtudes humanas.
Pensamos também que existem outros planos da realidade universal cujo
acesso está individualmente condicionado. O desenvolvimento ulterior de essa
fase pessoal e íntima está em si mesma contemplada no nosso Rito Escocês Antigo
e Aceito que nos adverte para não nos deixarmos impressionar pelas palavras,
mas que analisemos as idéias que nelas atuam. O Grande Arquiteto do Universo é
o grande símbolo verbal que para uns denominam maçonicamente o Deus pessoal das
religiões e, para outros, designa a Inteligência ou Força geradora, ordenadora,
todavia indefinível ou inominável do cosmos, cuja essência transcende a nossa
capacidade e não podemos definir com outro nome mais descritivo. São duas
vertentes sempre presentes e compatíveis dentro da Ordem, posto que em
definitivo, a Maçonaria centra a sua atenção na Obra universal, ficando fora
dos nossos templos as teologias, precisamente por respeitar todas as opiniões.
Para nós, os maçons do Rito Escocês antigo e Aceito, o que se pretende
designar como objetivamente “certo” ou “real” é só uma aparência ou um aspecto
do contemplado. A percepção dependerá da nossa postura, do nosso momento, dos
nossos sentidos… e também do momento e lugar em que o contemplado surja. Diz
Mircea Eliade que, por outro lado, “o sagrado é o real por excelência… O desejo
do homem religioso de viver no sagrado equivale, de fato, ao seu afã de
situar-se na realidade objetiva, de não deixar-se paralisar pela realidade sem
fim das experiências puramente subjetivas, de viver num mundo real e eficiente
e não numa ilusão… Esta é a razão que conduziu à elaboração de técnicas de
orientação, as quais, propriamente falando, são técnicas de construção do
espaço sagrado.”
Para o Rito Escocês Antigo e Aceito, o espaço sagrado por excelência,
o primeiro templo, está dentro do próprio homem. A sua primeira análise há de
orientar-se para o seu próprio interior, donde surge a pedra oculta que há de
conhecer e trabalhar para contribuir de imediato para a construção de uma
sociedade humana fraterna, na qual o Amor, que é o nome místico que damos à
força que impele à união organizada de todos os elementos do cosmos, determine
as nossas relações e a nossa evolução. Essa realidade virtual, essa utopia, é o
novo espaço sagrado querido pela Ordem.
Amando Hurtado
Mestre Maçom.
R.·.L.·. Iberia Fraternitas.
Grande Loja Nacional Portuguesa