Gonçalves Ledo



Não é nosso intuito fazer a biografia do Pod. Ir. Gonçalves Ledo, 1º Gr. Vig. do Gr. Or. do Brasil, em 1822, mas seu verdadeiro Gr. Mestre naquela época. Era ele, de fato, quem constantemente presidia as importantes e patrióticas sessões, realizadas em seu seio, nas quase os Maçons tomavam todas as providencias necessárias á Independência do pais. 

Homem extraordinariamente modesto, avesso a exibições, trabalhando pela libertação do Brasil com sincero amor e não por ambição de cargos, títulos ou honrarias, Ledo é uma figura quase impossível de retratar. Além desse seu feitio de caracter, teve o ilustre brasileiro o inaudito desprendimento pessoal de, segundo dizem, incinerar seu arquivo de documentos relativos á Independência, a prova, com certeza, do papel predominante que desempenhara no grande evento nacional. Si até sua própria fotografia foi difícil encontrar, quanto mais qualquer bosquejo que servisse de base para se escrever a brilhante história de sua vida ! Entretanto, como o professor Assis Cintra, em artigo que transcrevemos no mês de Maio findo, afirmou haver Gonçalves Ledo escrito um manuscrito com o titulo "Memórias Políticas da Independência", aguardaremos a publicação dele, anunciada para o corrente mês, a fim de estudar suas revelações. 

Alguma coisa se sabe, porém, do intrépido patriota, que, nascido em 1781, não pode se bacharelar pela Universidade de Coimbra, em virtude do falecimento de seu progenitor, infelicidade que o privou dos recursos indispensáveis a tal fim. Em sua juventude, quando acadêmico , já sonhava com a Independência do Brasil. E em 1820 pregava a Republica nas reuniões secretas de uma Loja Ledo foi, incontestavelmente, o vulto primacial nas ocorrências que ocasionaram a emancipação política do pais. Declarou-o, de modo absoluto, o Ir. General Luiz Pereira da Nobrega de Souza Coutinho, Ministro da Guerra em 1822 e Promot. Fiscal do Gr. Or. do Brasil, nesse ano: 

"O Chefe supremo ou seja a alma de todo o movimento revolucionário foi o grande fluminense Joaquim Gonçalves Ledo. " 

E, realmente, todo aquele que se dedicar ao estudo da História da Independência Brasileira, verá o vulto de Ledo cada vez mais saliente nos acontecimentos que a prepararam. Gigante do pensamento, suas palavras, escritas ou faladas, brilhavam, pelo estilo e beleza das imagens, como pedras preciosas, seduzindo, eletrizando o povo brasileiro e orientando a opinião pública, na qualidade de seu diretor máximo. 

Em 1921 Ledo trabalhava grandemente por seu ideal, esforçando-se, também, para que José Bonifácio entrasse para a Maçonaria. No mês de Setembro fundou com o Ir. Cônego Januário da Cunha Barbosa, o jornal "Reverbero", o clarim das liberdades nacionais, como, muito justamente, o batizou. E em 22 de Dezembro mandou convidar José Bonifácio, em S. Paulo, para um movimento político : o "Fico". De Ledo, outrosim, partiu a idéia, proposta na Maçonaria, do Conselho dos Procuradores das Províncias, decretada em 16 de Fevereiro de 1822. Em 30 de Abril, data do primeiro numero que o "Reverbero" publicou após D. Pedro 1º chegar de Minas, 

deixando completamente em paz esse Estado, fez ao príncipe, pelas colunas do jornal, a seguinte entusiástica saudação : 

"Príncipe! Rasguemos o véo dos mistérios; rompa-se a nuvem que encobre o sol, que deve raiar na espera brasileira ; forme-se o livro que nos deve reger e, sobre as bases já por nósjuradas, em grande pompa, seja conduzido e depositado sobre as asas do Deus de nossos Paes. 

Ai, diante do Altíssimo, que te há de ouvir e punir, si fores traidor, jura defende-la e guarda-la á custa de teu próprio sangue ; jura identificar-te com ela; o Deus dos cristãos, a Constituição brasílica e Pedro, eis os nossos votos, eis os votos de todos os Brasileiros. Oh, dia da gloria ! quanto és belo, até mesmo lobrigado por entre as nevoas do futuro !... Príncipe, só assim baquearão de uma vez os cem dragões que rugem e procuram devorar-nos. Não desprezes a gloria de ser o fundador de um novo Império. O Brasil de joelhos te mostra o peito, e nele, gravado em letras de diamante, o teu nome. Não te assustem os pequenos princípios... Ah ! si visses como é pobre a nascente dos dois gigantes da América, e como depois levam aos mares mais guerra do que tributos !... Príncipe, as nações todas tem um momento único, que não torna quando escapa, para estabelecerem os seus governos. O Rubicon passou-se; atrás fica o inferno; adiante está o templo da imortalidade. 

Redire sit nefas." 

Logo no mês posterior Ledo redige o discurso que o Ir. José Clemente Pereira, na categoria de Presidente do Senado da Câmara, devia proferir no dia 13 de Maio, aniversário do rei D. João VI, solicitando ao príncipe regente aceitasse o titulo de "Protetor e Defensor Perpétuo do Brasil", coisa resolvida na Maçonaria. Ledo, em meados do referido mês de Maio, ainda teve a iniciativa, sempre na Maçonaria, da convocação de uma Constituinte, sendo encarregado de formular a representação dirigida a D. Pedro 1º e entregue a Clemente Pereira. Este convocou o Senado da Câmara, para adaptar imediatamente a resolução de fazer, em tal conformidade, o dedico ao príncipe, que ouvindo o discurso de Clemente Pereira, respondeu, afim de decidir o caso, aguardar os votos da Câmara e Procuradores Gerais das Províncias. Então, eleito, em 1 de Junho, pela do Rio de Janeiro, o que demonstra seu prestigio político nela, Ledo se incumbiu de redigir e ler, no dia 3, o requerimento a D. Pedro 1º, o qual começava assim : "Senhor. A salvação pública, a integridade da nação, o decoro do Brasil e a gloria de V. A. R. ouvir o nosso requerimento : pequenas considerações só devem estorvar pequenas almas." E a Ledo coube a honra da redação do respectivo Decreto, convocando a Constituinte ! 

Antes, porém, no dia 20 de Maio, em nome do povo do Rio de Janeiro, Ledo, desassombradamente, dirigiu ao príncipe aquele tremendo ultimatum, que finalizava deste modo: 

"A natureza não formou satélites maiores que os seus planetas. 

A América deve pertencer á América, a Europa á Europa, porque não debalde o Grande Arquiteto do Universo meteu entre elas o espaço imenso que as separa. O momento para estabelecer-se um perdurável sistema, e ligar todas as partes do nosso grande todo, é este... 

O Brasil no meio de nações independentes, e que lhe falam com exemplo de felicidade, não pode conservar-se colonialmente sujeito a uma nação remota e pequena, sem forças para defendelo e ainda menos para conquistado. As nações do Universo tem os olhos sobre nós brasileiros, e sobre ti, Príncipe ! 

Ou cumpre aparecer entre elas como rebeldes ou como homens livres e dignos de o ser. 

Tu já conheces os bens e os males que te esperam e á tua posteridade. Queres ou não queres ? 

Resolve, Senhor !". 

Correram as coisa até 1 de Agosto, Ledo, mais ou menos, de conformidade com o Ministério, pois muito o auxiliava, redigindo alguns trabalhos, como o manifesto que D. Pedro I apresentou, naquela data, aos brasileiros. 

"Por meio dele justificava o príncipe a sua resolução de ficar no Brasil, de se declarar defensor perpetuo e de convocar um Congresso; recapitulava as providencias tomadas iniquamente contra o mesmo Brasil, as desfeitas sofridas pelos deputados brasileiros em Lisboa, os planos da Cortes para desunir as providencias umas das outras, etc. 

... era perfeitamente adaptado ás circunstancias e próprio a produzir no país o maior efeito, como realmente produzem. Concluía convocando admiravelmente todas as províncias do Norte a unirem-se ás do Sul, para formarem uma só nação, e exclamando: 

"Não se ouça entre vós outro grito que não seja União! 

Do Amazonas ao Prata não retumbe outro echo que não seja – Independência! 

Formem todas as nossas províncias o feixe misterioso que nenhuma força pode quebrar. Desapareçam de uma vez antigos preocupações, substituindo o amor do bem geral ao de qualquer província ou cidade." 

Convém aqui lembrar a aclamação de D. Pedro 1º, em 5 de Agosto, para Grão Mestre da Ordem, obra de Ledo. 

Na sessão do Gr. Or. do Brasil, realizada em 9 de Setembro, e não a 20 de Agosto, conforme declaram os historiadores, por equivoco, originário da interpretação das datas maçônicas dos atos daquele corpo, mas que nada tira á Maçonaria a honra da primazia no fato, porquanto nessa ocasião ainda se ignorava no Rio de Janeiro o que o príncipe resolvera em S. Paulo, Ledo, num arrebatador discurso, proclamou a Independência do pais. Em 16 de Setembro, dois dias depois da chegada de D. Pedro 1º ao Rio, vindo de S. Paulo, onde ás margens do Ypiranga, soltará o histórico grito de "Independência ou Morte", Ledo, outra vez em evidencia, fez circular pela cidade a seguinte proclamação, de seu próprio punho : na, a Gloria o pede : resistir-lhes é crime, hesitar é dos cobardes : somos Homens, somos Brasileiros. Independência ou Morte ! Eis o grito de Honra, eis o brado nacional, que dos corações assoma aos lábios e rápido ressoa desde as margens do corpulento Prata, quase a tocar nas do gigantesco Amazonas. A impulsão está dada, a luta encetou-se, tremam os tiranos, a vitória é nossa. Coragem! Patriotismo! o grande Pedro vós defende : os destinos do Brasil são os seus destinos. Não consintamos que outras províncias mais do que nós se mostrem agradecidas. Elias, um passo, e está vencido. Aclamemos o digno herói, o magnânimo Pedro, nosso primeiro imperador constitucional. Este feito glorioso assombre a Europa, e, recortado por milhares de cidadãos em todos os climas do universo, leve á posteridade o festivo anuncio da Independência do Brasil." 

E no dia 21 tornou Ledo a escrever outra proclamação, que distribuiu por todos os recantos do Rio, cujo final dizia: "Que hesitamos? O momento é chegado. Portugal nos insulta : a América nos convida: a Europa nos contempla: o príncipe nos defende. Cidadãos! Levante o festivo clamor: - Viva o Imperador Constitucional do Brasil, o Sr. D. Pedro I!" 

A 22 o Senado da Câmara procedia á apuração da eleição de Deputados á Constituinte, efetuada na Província do Rio de Janeiro, tendo sido Ledo eleito para um desses cargos, sem poder, entretanto, tomar posse dele, devido á perseguição que lhe foi movida no mês subseqüente. 

Mas já na sessão, de 14, do Gr. Or., num enérgico discurso, dizendo estar o povo brasileiro no firme propósito de não voltar ao regime colonial, que o Congresso das Cortes Constituintes de Portugal lhe queria impor, como se depreendia dos diversos decretos e resoluções promulgados, que citou, Ledo propusera fosse, quanto antes, D. Pedro 1º aclamado Imperador do Brasil, o que teve lugar imediatamente ali, sendo escolhido o dia 12, data de seu aniversário natalício, para a cerimônia profana. 

Todavia, a atitude de Ledo, controlando os atos do Ministério, irritou este, que, esquecendo, era fatal, os inigualáveis serviços do destemido patriota á causa da Independência Brasileira, ou por isto mesmo, moveu-lhe tremenda guerra, iniciada em seguida ao dia 30 de Outubro. Em vista disso e porque indivíduo desclassificados haviam sido pagos para pedir sua cabeça diante das portas do Paço do Conselho, além de que o Cônego Thomaz de Aquino se oferecera, na devassa aberta, para lhe romper as entranhas, caso lhe perdoassem o assassinato, Ledo se ocultou em S. Gonçalo, arrabalde de Nictheroy, Província do Rio de Janeiro, na fazenda do Ir. Bellarmino Ricardo de Siqueira, de onde, intimoratamente, enviou uma representação a D. Pedro 1º, datada de 2 de Novembro, requerendo se lhe instaurasse processo. Daí aumentar a perseguição conta Ledo, que, graças ao auxilio do Ir. Lourenço Westine, Cônsul da Suécia, pode partir para Buenos Aires, Republica Argentina, num navio mercante daquele reino, apesar de Deputado eleito por aquela Província, prerrogativa que não lhe fora respeitada! 

De 17 de Abril, em que começaram os trabalhos preliminares da Assembléia Constituinte, a 3 de Maio de 1923, data de sua abertura, esteve Ledo completamente esquecido. Mas na sessão do dia 16 se discutiu seu chamamento, afim de vir tomar posse de sua cadeira de Deputado, havendo, durante a discussão do assumpto, partido das galerias significativas manifestações de desagrado ao Ministério. Caindo este e dissolvida a Assembléia Constituinte, Ledo, sendo absolvido, em 21 de Novembro regressou de seu exílio em Buenos Aires, cidade na qual permanecera um ano e onde fora obrigado a trabalhar, diz ele, com enorme magoa, nas "Memórias Políticas da Independência". E a 17 de Fevereiro de 1824, D. Pedro 1º, como a reparar a injustiça feita ao ilustre brasileiro, nomeou-o dignitário da Ordem do Cruzeiro, distinção não aceita por ele. 

Ledo não era somente fervoroso patriota, mas, igualmente, um homem de rija tempera. Aliás, advinha-se através da fisionomia fechada, estampando os traços da inquebrantabilidade de seu caráter. Assim, recusou, duas vezes, ser Ministro de Pedro 1º, o mesmo fazendo com o titulo de Marquez, que o monarca lhe quis conceder. Si exerceu em várias legislaturas, o mandato de Deputado pela Província do Rio de Janeiro, foi porque essa honra lhe vinha do povo, de seus conterrâneos, jamais recebendo, no em tanto, é preciso não o olvidar, qualquer pagamento, do Tesouro, por esses serviços. 

Reorganizado o Gr. Or. do Brasil em 1831, sob o Gr. Mestrado de José Bonifácio, Ledo esqueceu todos seus ressentimentos e voltou ao cargo de 1º Gr. Vig., continuando a lhe presidir os trabalhos. Aí, na sessão. de 21 de Janeiro de 1832, os Maçons o encarregaram, por consenso e impedimento, devido á moléstia do Gr. Mestre, de redigir o Manifesto ao Mundo Maçônico, assinado por José Bonifácio, que lhe comunicou a restauração do Gr. Or., incumbência que ele desempenhou admiravelmente, gravando magistral peça de arquitetura lide e aprovada, por unanimidade de votos, em 18 de Fevereiro, importantíssimo documento que o "Boletim" reproduziu no numero de Setembro de 1919. No mesmo ano de 1832, ocupou o cargo de Ven. da Loj. Educação e Moral e fez parte da comissão nomeada, pelo Gr.·. Mestre, para apresentar um projeto de Constituição do Gr. Or. do Brasil. Posteriormente, os desgostoso o levaram a se afastar da Ordem e da política, para se dedicar exclusivamente á agricultura, em sua fazenda da Província do Rio de Janeiro. Ledo nunca deixou, porém, de pensar na Maçonaria. Ao falecer José Bonifácio, em 1838, enviou uma carta ao nosso Ir.·. José Clemente Pereira, rogando relegasse ao esquecimento certas queixas e fosse ao seio do Gr. Or., proferir algumas palavras sobre seu Gr. Mestre, que desaparecia. Decorridos 9 anos, isto é, a 19 de Maio de 1847, Ledo se finava, entregando o corpo á terra, "nossa abençoada mãe comum, que não tem as ingratidões da política e dos reis", consoante uma frase sua, cheia de tristeza, mas profundamente irônica. 

Eis o eminente brasileiro, que arriscou sua vida por causa da Independência da pátria. Eis o valoroso Ir., que deu á Ordem Maçônica Brasileira a gloria de ser a principal fator de nossa nacionalidade. 

E a Maçonaria, que tanto tem se esforçado para colocar o nome de Ledo na galeria dos beneméritos do país, tornando-o conhecido desde o Amazonas ao Prata, deve trabalhar, insistentemente, afim de que o Brasil erga, na capital da Republica, uma estatua ao seu digno filho, divida de gratidão que está para lhe ser paga há 100 anos. 



Texto original extraído do Boletim do Grande Oriente do Brasil - 1922