A Câmara de Reflexão


V.’. M.’., Ir.’. 1.º Vig.’., Ir.’. 2.º Vig.’., demais IIr.’.:
 
            Antes de sua iniciação, o profano é introduzido no Gabinete de Reflexão ou Câmara de Reflexão. Preliminarmente, cabe esclarecer que este é o nome correto, devendo-se evitar chamá-la de Câmara de “Reflexões”, que parece mais adequado a uma câmara forrada de espelhos e reflexos. O Gabinete de Reflexão é um pequeno reduto, pintado interiormente de preto, no qual são colocados ossos, um crânio humano, uma pequena mesa, um banquinho, ou um tamborete e uma escrivaninha; sobre a mesa, pão, uma bilha d’água, uma taça de sal e uma contendo enxofre. Nas paredes figuram sentenças como estas: “Se a curiosidade te trouxe, vai embora!” – “Se tua alma sentiu medo, não vás adiante!” – “Se perseverares, serás purificado pelos Elementos, sairás do abismo das Trevas, verás a Luz!”.

            Desenhos simbólicos ornam as paredes; um galo encimando uma bandeirola com as palavras “Vigilância e Perseverança”, uma foice ou alfanje, uma ampulheta, a palavra “Vitriol” ou “Vitriolum”. A iluminação é escassa, fornecida por uma lanterna ou por um archote.

            É nesse “calabouço” que o profano deve responder por escrito às perguntas que lhe serão feitas e redigir seu “testamento”.

            No Rito de York a Câmara de Reflexão é muito simples, contendo apenas material de escrita, uma campainha, um crânio humano e as frases de advertência.

            No Rito Escocês Antigo e Aceito ela é bastante complexa, contendo, além do material de escrita e do foco de luz, uma ampulheta, um esqueleto humano ou pelo menos um crânio, um pedaço de pão de trigo, uma jarra de água, os três elementos necessários à Grande Obra da Alquimia, sal, enxofre e mercúrio, a pintura de um galo no ato de cantar, despertando, duas taças, sendo uma com um liquido doce e outra com um amargo, símbolos dos opostos, na vida humana: o bem e o mal, o vício e a virtude, a boa e a má sorte, o espírito e a matéria, etc...; o tradicional, no Rito, é que os dois líquidos estejam na Câmara e não fazendo parte da “Prova da Taça Sagrada” que é pratica do Rito Adoniramita; além das frases de advertência.

            No Rito Schroeder ou Alemão, que trabalha apenas nos três primeiros graus, como o de York, o candidato passa por duas salas: a Sala de Preparação, onde é introduzido por seu padrinho sem paramentos, contendo apenas material de escrita, uma campainha, um crânio e as frases de advertência. A outra câmara é escura, onde o candidato é colocado após responder oralmente algumas perguntas, feitas pelo Irmão Preparador acompanhado pelo membro mais novo da Loja. Nessa câmara mal iluminada o candidato preenche, a sós, o questionário que lhe foi entregue.

            No Rito Moderno, ou Francês, a câmara é mais simples, contendo uma cadeira, uma mesa, sobre esta um foco de luz, material de escrita, um crânio humano, uma ampulheta e uma campainha, que o candidato tocará quando terminar de preencher os papéis necessários, além de frases de advertência.
            No Rito Adoniramita, ela é complexa como no Rito Escocês: sobre a mesa, além de um foco de luz e do material de escrita, há uma crânio humano, uma jarra d’água, um pedaço de pão, sal, enxofre e mercúrio, e nas paredes, além das frases de advertência, há a figura de um galo cantando.

            No Rito Brasileiro a câmara contém além do foco de luz, do material de escrita e da campainha, um crânio ou um esqueleto completo, uma ampulheta e a representação de um galo na parede, além de frases de advertência. A palavra Vitriol é considerada dispensável, assim como no Rito Escocês,  por ser considerada uma adição de hermetistas ( do culto a Hermes )
 
            Cada um dos símbolos tem, em particular, um significado esotérico, sendo o período em que o candidato permanece na Câmara de Reflexão repleto da mais profunda significação, pelo seu caráter propiciatório, alquimico, iniciático, onde o profano deve realmente refletir sobre o abandono de uma vida, acordando para uma nova realidade.
 
O Pão e a Bilha D’água parecem comparar o Gabinete com um “in-pace” ( em paz ),  local de retiro, onde o profano deve se recolher, mas é também a imagem do Ovo no qual o germe se desenvolve e, por conseqüência, o Pão e a Água são os emblemas da simplicidade que deverá orientar a vida do futuro iniciado; enfim, o Pão é feito de trigo, cujo simbolismo está intimamente ligado ao de Ísis e de Deméter e que, em muitas religiões, representou e ainda representa a própria carne do Deus sacrificado. O Pão e Água simbolizam os alimentos do corpo e do espirito, necessários ao homem. e constituem a reserva alimentar do germe ainda em desenvolvimento. Nas Escrituras, o profeta Elias, adormecido sob uma árvore, é desperto por um anjo, de quem recebe Pão e Água, antes de subir ao monte Oreb. O profano também recebe, simbolicamente, as forças que lhe serão necessárias para suportar as provas a que será submetido.

Os três princípios herméticos figuram na Câmara de Reflexão, representados pelo Enxofre, símbolo do Espírito, e o Sal, símbolo da Sabedoria e da Ciência, cada um numa Taça. O mercúrio, atributo próprio de Hermes, é também representado pelo Galo, símbolo da ousadia e da vigilância, que anuncia o nascer do dia, portanto, reverenciando o Sol nascendo no Oriente. Costume generalizado na Idade Média, o Galo era colocado no ponto mais alto das igrejas, sobre a cruz mais alta, ora por representar Pedro e a Penitencia, ora representando o costume das primeiras assembléias reunirem-se ao primeiro cantar do Galo. Em terceiro lugar, ele recomenda a vigilância aos leigos. Na maçonaria, o Galo anuncia a Luz que o Recipiendário vai receber.

A bandeirola com as pontas enroladas, com uma inscrição ou lema é um “filactério”, aparecendo desde a antigüidade a marcar um pensamento em estatuas ou fachadas e pedestais. As duas palavras “vigilância e perseverança” exprimem a idéia de “velar severamente” e indicam ao futuro maçom que desde agora ele deve ser atento e perscrutar os diversos significados que os símbolos podem oferecer, mas cujo entendimento ele só conseguirá por inteiro com uma paciente perseverança.

Os Ossos, a Caveira, a Foice e a Ampulheta são emblemas dos monges Trapistas, referem-se a Saturno e por isso ao chumbo e são todos emblemas da morte do profano que vai renascer para a vida espiritual, transmutando o chumbo em ouro. Não se trata de assustar o candidato, mas de prepará-lo a se despojar do velho homem, preparando-se para um novo nascimento. Quando ele sair desse “túmulo” que representa a putrefação alquimica, estará apto a começar um ciclo de transmutações.
 
            As letras da palavra VITRIOL, usada como uma das divisas dos antigos Rosa-Cruzes, significam, na grafia original em latim “Visita o interior da Terra e, retificando, encontrarás a Pedra Oculta” (Visita Interiora Terrae, Rectificandoque, Invenies Occultum Lapidem). Trata-se de um convite à procura do eu mais profundo, da própria alma humana, no silêncio e na meditação.
         
            Todo o simbolismo do Gabinete de Reflexão está relacionado com o culto a Hermes, o culto solar, compreendendo a primeira fase da Grande Obra, a da putrefação, representada por “Ovo Filosofal” ou pelo casulo contendo uma crisálida em transformação.

Nesse ambiente são propostas as três perguntas, com múltiplos significados e conseqüências a serem observadas, mas que exigem basicamente do candidato para serem respondidas, simplicidade e sinceridade, condições primordiais para tornar válida sua Iniciação, despido dos artificialismos da sociedade profana.
O Testamento, conseqüência lógica deste processo simbólico de morte e renascimento, constitui na verdade o “Testamento filosófico” do profano prestes a nascer para uma nova vida.

Ao sair da Câmara de Reflexão, continuando o processo de transmutação, o iniciando é despojado de “seus metais”, entregando tudo o que possui sobre si, como dinheiro, jóias ou objetos metálicos, simbolizando o abandono ao apego às idéias preconcebidas, a renuncia aos bens materiais, o domínio das paixões, dos sentimentos de posse, poder e vaidade. Do candidato são retiradas suas “armas”, incluindo a arma maior representada pelo dinheiro enquanto “corruptor das consciências”.

A seguir, o candidato é despojado de parte de suas roupas, permanecendo “ nem nu, nem vestido”, com o coração descoberto, estando então finalmente preparado para entrar no Templo. Este despojamento que na Iniciação é imposto ao candidato, deve tornar-se voluntário e habitual aos Maçons, antes de entrarem no Templo
 
                       
Or.’. de São Sebastião – SP, 22 de novembro de 1999, E.’. V.’.          
           
           
 
Ir.’. José Henrique Lobo de Siqueira, M.’. M.’.