Segundo dizem, um dia será possível viajar através do tempo. Bastará, para isso, que encontremos umadobra do espaço-tempo e nos introduzamos nela. O bem-humorado matemático inglês, contemporâneo de Ian Stewart, em um dos seus muitos livros insinua ter uma dessas no fundo do quintal, atrás de uma framboeseira e, não raro, viaja através dela pela história da Matemática. Ao vê-lo falar com tanta desenvoltura sobre a terra do “faz-de-conta”, não resisti: lembrei-me dos meus anos de criança quando andar no tempo era tão natural como viver e, tal como bolso de calças curtas de menino feliz, onde se encontra de tudo: pião, bola de gude, soldadinho de chumbo e, é claro, uma “dobra do espaço-tempo”, preparei um recheado caderno de perguntas e lá fui eu para minha primeira visita aos meus matemáticos preferidos. Quando andava lá pelos séculos V-VI a. C., encontrei Pitágoras, filósofo grego que teria emigrado para a Sicília, para ali fundar uma espécie de Ordem (escola) filosófica e política. Alguns dos seus discípulos, os “matemáticos”, estabeleceram numerosos teoremas, postos em ordem por Euclides por volta do séc. III a. C. Ele andava preocupado com o novo piso da escola dos “pitagóricos” (foi assim que ficaram conhecidos seus alunos e seguidores). Havia internamente uma praça triangular, com um dos seus ângulos reto, assim:
ângulo reto
Em cada um dos seus lados foi construída uma sala quadrada, assim:
E o problema enfrentado por ele correspondia a ladrilhar o piso das três salas e perceber que a quantidade de ladrilhos da sala I correspondia à soma dos ladrilhos das salas II e III.
Por certo, ele considerou-me um maluco quando contei que viajei por quase 26 séculos através do tempo para visitá-lo, mas ficou mesmo estarrecido quando eu disse que esse tal problema chegaria até os nossos dias e seria conhecido por “teorema de Pitágoras”. Ele riu muito e a seguir brincou com o nosso modo de formar historiadores das ciências pois, segundo ele, a relação entre os lados de um triângulo retângulo, e que leva o seu nome, já era conhecida dos babilônicos e dos egípcios há pelo menos 4 séculos.
Diante de tal crítica, passei às suas mãos o meu caderno de anotações e ele admirou-se daquele instrumento tão formidável para guardar e recuperar informações. Não resisti e falei-lhe sobre os nossos computadores e nossas enciclopédias em multimídia; porém, quando o observei bem, ele estava com um sorriso nos lábios. Nada disse, mas tive a nítida sensação de que pensava algo assim: Com esses instrumentos tão poderosos, talvez façam besteiras ainda maiores! – E se de fato pensou, acho que acertou.
Enquanto eu andava pensando na musicalidade, filosofia e sabedoria que aquele homem representa e por quantos séculos seu nome seria ainda repetido e cultuado, ele aproximou-se de mim, brandindo o meu caderno de notas, e disse:
- Eureka! Eureka! (opa – pensei – isto me faz lembrar de Arquimedes). Ele continuou: - Olha o que eu encontrei! – Pude ver que ele estava com a página sobre Diofanto (matemático grego da escola de Alexandria, que viveu de 325 d.C até 410 d.C., cuja obra, parcialmente conhecida, influenciou os árabes e depois os geômetras da Renascença).
- Veja - disse-me ele - esse jovem (Diophantos, em grego) tentou e conseguiu construir modos para encontrar soluções para a (corou um instante, e prosseguiu) minha relação e também para várias outras, com a condição de que sejam todas números inteiros.
- Ah! - disse eu - mais tarde essas equações serão chamadas de diofantinas (em homenagem a Diofanto) e terão grande aplicação num ramo da Matemática que será conhecido por Teoria dos Números.
- Ora – disse ele – mas isto é como encontrar tamanhos de ladrilhos que devam ser usados sem recortes, isto é, inteiros!
Pensei: acho que a sabedoria é enxergar o lado singelo, romântico, e às vezes ingênuo das coisas. Não é à toa que este homem vai influenciar o homem comum, como os jardineiros e os tocadores de flauta e, curiosamente, também os cientistas, os músicos, os arquitetos e por muito, muito tempo!
Achei uma beleza aquela dica e fui tratando de preparar-me para, voltando à dobra do espaço-tempo, ir ter com Diofanto, e antes, como para provocar o agora meu amigo Pitágoras, contei-lhe que, quase 14 séculos depois de Diofanto, alguém chamado Pierre de Fermat leria o livro Arithmética e, às margens daquele exemplar, faria uma conjectura que iria ainda alimentar o imaginário dos poetas, dos loucos e dos matemáticos de quase 4 séculos. Mas isto é uma outra história que eu vou contar uma outra vez. Houve ainda tempo para que o sábio me pedisse um problema diofantino para ele propor aos seus discípulos. Lembrei-me de um que aparece num livro de Martin Gardner e que, segundo o meu critério, tem a cara do nosso Almanaque, e assim passei a ele com a esperança de que nossos leitores também o resolvam:
Quantos são os animais que tenho, uma vez que são todos cães, exceto dois; também são todos peixes, exceto dois; e igualmente são todos papagaios, exceto dois ?
Enquanto regressava pela dobra do espaço-tempo, pensava que os alunos do mestre Pitágoras iriam resolver esse problema tanto como os nossos leitores, exercitando, porém, mais e melhor o raciocínio, pois naquela época a cabeça dos jovens ainda não havia sido algebrizada!
Ah, em tempo: tente resolver sem usar x, y, z, ou qualquer outra letra e, se não conseguir, faça como puder ou veja a solução a seguir.
Solução:
Existem três espécies de animais no total (cães, peixes e papagaios), e como são todos cães exceto dois, então nesses dois estão todos os peixes e todos os papagaios; logo há um peixe e um papagaio. Se do mesmo modo tomarmos quaisquer das outras hipóteses, veremos que também há um cão somente; logo, o total de animais é três e há um de cada espécie